Segure-se na cadeira para ler a confusa frase a seguir:
Aos 69 anos, Emile Ratelband, empresário holandês, teve negado pela justiça seu pedido de alterar sua documentação indicando sua idade real de 49 anos.
A frase deve ter soado estranha, mas é exatamente isso!
O argumento do empresário para embasamento de sua solicitação foi no sentido de que ele não se sente com a vitalidade correspondida pela sua idade física. Mesmo se sentido discriminado após a decisão e prometendo que vai recorrer, os juízes foram relutantes ao resguardarem as regras jurídicas que reforçam a responsabilidade do ambiente normativo vigente.
Você pode estar confuso com o dilema. De fato, não parece que o impacto de
tamanhas consequências jurídicas para sociedade sejam desprezíveis ao ponto serem ignoradas para a satisfação do ego de apenas um indivíduo. Ao mesmo tempo, você pode ser simpático a pessoas que não se sentem correspondidas mentalmente com o corpo que possuem. Captou?
A ironia é que ele não deve ser único a se sentir assim com sua idade. Abrirá precedentes. Sempre haverá aquela tia velha que morre de medo da idade. Imagine ela e outas milhares – ou talvez milhões – de pessoas correndo para o cartório para atualizar a documentação de tempos em tempos!
A única coisa que ficaria conservada seria a velha foto 3 x 4. Às vezes nem isso. As habilidades do sobrinho geek entrariam em ação para “photoshopar” a nova foto talvez.
Conjecturou a bagunça? Esse é o efeito rebote de uma cultura que não tem a intenção de conservar critérios. A redução infinita começa a ser inevitável. E tal como paradoxo de sorites, determinar limites se torna uma tarefa praticamente impossível.
Qual é o critério que devo adotar para tomar partido nessa questão? Qual é o critério para definir se esse critério que escolhi é um bom critério? E por aí vai.
Dessa forma, o ambiente normativo fica tão instável – mas tão instável –, que movimentos que pretendem ser heroicos, passam a se tornar vilões de si a medida que essa instabilidade provoca resultados desastrosos contra a própria meta.
Um exemplo disso são as dificuldades criadas para as mulheres pelo movimento #MeToo, que, em busca de proteger as mesmas, provocou uma onda conservadora em Wall Street onde executivos começaram a encarar o fato de contratar mulheres como “an unknown risk” (um risco desconhecido, em uma tradução livre). Lamentável.
Para fechar minha reflexão, utilizarei uma metáfora interessante: o Barco de Neurath. A metáfora filosófica diz que somos como marinheiros obrigados a reparar o seu barco no alto mar, sem qualquer possibilidade de desmontar todas as peças e de o reconstruí-lo em doca seca. Ou seja, nunca teremos um ambiente 100% estável, mas é imperioso que tenhamos algo suficientemente estável para nos sentirmos bem e podermos dialogar com um mínimo de clareza.
Portanto, utilizando essa metáfora, concluo que me parece que o que estamos a fazer é: saltando ao mar, cada um por si agarrados em pequenos pedaços de madeira e por ali ficamos à deriva, sonhando com a terra firme prometida pelos discursos coletivistas.