Contrapé

Hoje acordei com o pé esquerdo. Fui dormir ansioso porque encaro meu primeiro dia de faculdade. O primeiro revés foi uma espinha no meio da testa. Não deu outra, o apelido pegou:

– Fala, Espinha, tem um Carlos atrás de você! Hahaha…

Eu não me julgava possível naquela situação. Acreditei piamente que na faculdade iria ser diferente. É que eu estava tão positivo… Só que mais uma vez acordei com o maldito pé esquerdo.

No intervalo, peguei a fila da cantina para comprar uma coxinha, mas logo fui avisado de que me encontrava na fila errada. A certa era a da esquerda. Foi-se inutilmente um tempão!

Comi e fiquei ali sozinho, sentado, balançando as pernas, tentando fazer qualquer contato visual com alguém que pudesse ser, no mínimo, interessante, que pensasse diferente e não apenas seguisse a manada. Em vão. Começa a segunda aula.

– Espinha, você tem corretivo?

– Não! – Olho para Maria, querendo puxar assunto, mas não sabia o que dizer e continuei: – Estamos na faculdade, pode rabiscar!

Nossa! Foi a coisa mais estúpida que já falei na vida. Maria sorriu e se virou para frente. Enquanto isso, a professora passava um texto de um tal xará, Carlos. Só que era Carlos Marx, não me lembro direito. Só me recordo dela falando algo sobre esquerda. E eu, mais uma vez com minha mania de me distrair em meus pensamentos, soltei:

– Esquerda?

– Sim. Algum problema? – Disse-me a professora.

Todo mundo olhou para mim como se eu fosse o “diferentão”. Eu já estava tão de saco cheio daquela história na minha vida mais uma vez, que chutei o balde. Quer saber? Foda-se!

– E se eu quiser ir para direita?

– Você pode ir pela direita, mas não agora?

– Quando?

– Quando?

– É! Estou dando seta para a direita. Quero entrar! – Todos riram.

– Você não pode entrar a hora que quer!

– Por que não?

– Porque temos regras.

– Mas não estou quebrando nenhuma regra: estou dando seta!

– Não é questão de dar seta – a professora já enfezada – de onde você tirou essa ideia, rapaz?

– É o estado que eu me encontrei, eu quis dar seta e ir para a direita.

– Mas, se é estado, é de esquerda.

– Por quê?

– Porque um estado deve ser justo e igualitário, e isso significa ser de esquerda.

– Não pode ter estado e ser de direita?

– Não!

– Quem disse?

– Olha aqui, garoto, como você se chama?

– Carlos.

– Carlos, o estado é de esquerda e ponto!

– Mas e se meu estado for de direita?

– Então você acordou com o pé errado.

– Mas eu acordei com o pé esquerdo!

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