Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Torso arcaico de Apolo
“Torso arcaico de Apolo” de Rainer Maria Rilke. “Novos poemas dos novos poemas”. Obras Completas. Frankfurt, 1926.
“Archaïscher Torso Apollos” von Rainer Maria Rilke. “Der neue Gedichte anderer Teil”. Sämtliche Werke. Frankfurt, 1926.
Não sabemos como era a cabeça, que falta,
de pupilas amadurecidas. Porém
o torso arde ainda como um candelabro e tem,
só que meio apagada, a luz do olhar, que salta
Wir kannten nicht sein unerhörtes Haupt,
darin die Augenäpfel reiften. Aber
sein Torso glüht noch wie ein Kandelaber,
in dem sein Schauen, nur zurückgeschraubt,
e brilha. Se não fosse assim, a curva rara
do peito não deslumbraria, nem achar
caminho poderia um sorriso e baixar
da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.
sich hält und glänzt. Sonst könnte nicht der Bug
der Brust dich blenden, und im leisen Drehen
der Lenden könnte nicht ein Lächeln gehen
zu jener Mitte, die die Zeugung trug.
Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
pedra, um desfigurado mármore, e nem já
resplandecera mais como pele de fera.
Sonst stünde dieser Stein entstellt und kurz
unter der Schultern durchsichtigem Sturz
und flimmerte nicht so wie Raubtierfelle
Seus limites não transporia desmedida
como uma estrela; pois ali ponto não há
que não te mire. Força é mudares de vida.
Und bräche nicht aus allen seinen Rändern
aus wie ein Stern: denn da ist keine Stelle,
die dich nicht sieht. Du mußt dein Leben ändern.
Perdoando Deus
Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Não era tour de propriétaire, nada daquilo era meu, nem eu queria. Mas parece-me que me sentia satisfeita com o que via.
Continue lendo “Perdoando Deus”O Cônego ou Metafísica do Estilo, por Machado de Assis
— “VEM DO LÍBANO, esposa minha, vem do Líbano, vem… As mandrágoras, deram o seu cheiro. Temos às nossas portas toda casta de pombos…”
— “Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, que se encontrardes o meu amado, lhe façais saber que estou enferma de amor…”
Era assim, com essa melodia do velho drama de Judá, que procuravam um ao outro na cabeça do Cônego Matias um substantivo e um adjetivo… Não me interrompas, leitor precipitado; sei que não acreditas em nada do que vou dizer. Di-lo-ei, contudo, a despeito da tua pouca fé, porque o dia da conversão pública há de chegar.
Continue lendo “O Cônego ou Metafísica do Estilo, por Machado de Assis”Cinco Minutos de Filosofia do Direito, por Gustav Radbruch
Gustav Radbruch, Cinco Minutos de Filosofia do Direito, in: Jornal Rhein Neckar, de 12/09/1945, citado após a reimpressão in: Idem, Filosofia do Direito, 8ª edição, ed. por Erik Wolf e Hans-Peter Schneider, Stuttgart 1973, p. 327 e segs.:
Primeiro Minuto
Ordens são ordens, é a lei do soldado. A lei é a lei, diz o jurista. No entanto, ao passo que para o soldado a obrigação e o dever da obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a prática de um crime, o jurista […] não conhece exceções deste gênero à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes devem. A lei vale por ser lei, e é lei sempre que, na generalidade dos casos, tiver do seu lado a força para se impor.
Gustav Radbruch, Fünf Minuten Rechtsphilosophie, in: Rhein-Neckar-Zeitung vom 12.9.1945, zitiert nach dem Neuabdruck in: ders., Rechtsphilosophie, 8. Aufl., hrsgg. von Erik Wolf und Hans-Peter Schneider, Stuttgart 1973, S. 327 ff.:
Erste Minute
Befehl ist Befehl, heißt es für den Soldaten. Gesetz ist Gesetz, sagt der Jurist. Während aber für den Soldaten Pflicht und Recht zum Gehorsam aufhören, wenn er weiß, daß der Befehl ein Verbrechen oder ein Vergehen bezweckt, kennt der Jurist, seit vor etwa hundert Jahren die letzten Naturrechtler unter den Juristen ausgestorben sind, keine solche Ausnahmen von der Geltung des Gesetzes und vom Gehorsam der Untertanen des Gesetzes. Das Gesetz gilt, weil es Gesetz ist, und es ist Gesetz, wenn es in der Regel der Fälle die Macht hat, sich durchzusetzen.
Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro.
Diese Auffassung vom Gesetz und seiner Geltung (wir nennen sie die positivistische Lehre) hat die Juristen wie das Volk wehrlos gemacht gegen noch so willkürliche, noch so grausame, noch so verbrecherische Gesetze. Sie setzt letzten Endes das Recht der Macht gleich, nur wo die Macht ist, ist das Recht.
Uma carta aberta ao Brasil, por Mark Manson
Querido Brasil,
O Carnaval acabou. O “ano novo” finalmente vai começar e eu estou te deixando para voltar para o meu país.
Assim como vários outros gringos, eu também vim para cá pela primeira vez em busca de festas, lindas praias e garotas. O que eu não poderia imaginar é que eu passaria a maior parte dos 4 últimos anos dentro das suas fronteiras. Aprenderia muito sobre a sua cultura, sua língua, seus costumes e que, no final deste ano, eu me casaria com uma de suas garotas.
Não é segredo para ninguém que você está passando por alguns problemas. Existe uma crise política, econômica, problemas constantes em relação à segurança, uma enorme desigualdade social e agora, com uma possível epidemia do Zika vírus, uma crise ainda maior na saúde.
Continue lendo “Uma carta aberta ao Brasil, por Mark Manson”Um Discurso Inaugural, de Joseph Brodsky
Senhoras e senhores da Turma de 1984:
Por mais ousados ou cautelosos que vocês decidam ser, no decorrer de suas vidas estão destinados a entrar em contato físico direto com aquilo que é conhecido como o Mal. Não estou me referindo aqui a um elemento do romance gótico, mas, para dizer o mínimo, a uma realidade social palpável que vocês não têm como controlar. Por mais que sejam pessoas de boa índole ou lancem mão de cálculos precisos, não há como evitar este encontro. De fato, quanto mais calculistas e cuidadosos formos, maior será a probabilidade deste encontro, e mais forte seu impacto. A estrutura da vida é tal que aquilo que vemos como o Mal é capaz de uma presença bastante difundida, mesmo porque tem a tendência de aparecer sob o disfarce do bem. Vocês nunca irão vê-lo atravessando a soleira de suas portas e se anunciando: “Olá, eu sou o Mal!”. Isto, é claro, indica sua natureza secundária, mas o consolo que poderíamos extrair desta observação é obliterado pela frequência com que se manifesta.
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