“Quem é esta que sobe do deserto, firmada sobre o seu amado?” Repetiu três vezes seguidas a pergunta de Machado. A resposta não fora suficiente. Mas não está só. Como se recusasse o Cônego (o conto), não compreendera que seu cérebro era outro. Tinha cérebro raivoso e desatento para minúcias eruditas.
Antes do marco profetizado no ano de 2222, atentar-me-ei para o velho estilo metafísico e regozijarei os versos antigos do estilo esquecido pelo coletivo até mesmo, por vezes, em hábitos acadêmicos – reclamo sarau e ode à obra ainda não traduzida em todas as línguas.
– Mas donde vinha tanta fúria do leitor de agora?
– Foi dito que as palavras têm suas divergências e convergências sexuais. A explicação da descoberta psico-léxico-lógica a demonstrou. Porém, as palavras também podem ser reprimidas, enclausuradas e abusadas. O grêmio colérico pratica amiudadamente tal sadismo – há grêmios destarte também em solo santo. Apesar disso, não há outro caminho senão retornarem à luz como água que infiltra e acha sua saída. O inconsciente não é rígido, mas fluido. Confesse, minha senhora, não entendeu nada da primeira vez e agora novamente.
– Confesso que não.
– Pois voltemos à cabeça do Cônego. As palavras continuavam procurando umas às outras, não à maneira de qualquer pessoa do século de outrora, mas em cabeça de padre. Não foi?
– Pois sim.
– Porém, dos tempos idos para cá, a amarração do inconsciente do sacerdote não previra o que somente Jung notaria anos depois: a repulsão provocada por aqueles grupos de ideias, os quais delimitavam a maneira dos silogismos. Esta tornou-se forte como um ímã monotônico. Tecerei adiante.
O ímã em questão é tão mais forte quanto o ressentimento coletivo. A mais alta arrebatadora e vil moção a qualquer substantivo é transformar seu adjetivo em teoria absoluta. Um escárnio para os qualitativos termos tão bem tratados por Bardo de Avon ou mesmo o Cônego. O ímã se dá pelo acoplamento de outro substantivo cuja sua autotransformação em sufixo empacota os adjetivos, comprimindo-os e os impedindo que possuam qualquer liberdade inconsciente. O que seria do cérebro do cônego se fisgado pela percepção da existência desse ímã? Teria desistido de se formar na sacristia?
Duzentos anos antes da marca promissora, porém, o inconsciente não entendido, embora proferido, constrói os embargos. Podemos batizar provisoriamente com o nome de psicologismo. Em sequência ao idílio psíquico anterior, esse é o encontro das palavras dentro da estrutura inconsciente dos estudos da psicologia. Não se misturam palavras da agricultura [exempli gratia] aqui – disse o inconsciente agrícola, batizemo-lo de ‘agriculturismo’.
O leitor do conto, porém, não se dava ao cânone eclesiástico ou à psicologia, nem mesmo à agricultura. Fora forjado em forno termodinâmico. Daqueles que se conservam energia e aumentam a entropia. Zombava de sua patota e estragava jantares evidenciando o seu ismo sádico – ‘engenheirismo’, chamemo-lo assim.
Ismo contra ismo, cada adjetivo procura não mais um substantivo a se apaixonar, mas a acalentadora aprovação do grêmio associado. Como se Sílvia e Sílvio não fossem mais amantes, perdessem a intimidade e impossibilitados a usar ismo alheio. O pesar da inconsciência enjaulada rebate. Qualquer amarração diversa do passado, presente ou futuro, magoa-se por junções de um cérebro circunscrito pelo logos autorizado. Quem autorizou? Não importa. Tal como a sombra da estátua de sal – mulher de Ló – que buscou no passado e o passado lhe prendeu, hoje, o remédio do grêmio são as estátuas abaixo!
– Por ora, sei que não acreditas em nada do que Machado escreveu, nem mesmo o que vim dizer. Di-lo-ei, contudo, a despeito da tua pouca fé, porque o dia da conversão pública há de chegar.
FIM