Há um equívoco muito grande que acontece em alguns países quando se trata de política. Estou me referindo à polarização que é de tal maneira estruturada que revela o caráter patológico do fenômeno, onde algumas atitudes dos agentes podem ser considerados como “um erro”.
Antes que comecem a me fazer típicas perguntas provenientes da pedagogia, perguntas tais como “erro para quem?”, adianto que minha perspectiva sobre o problema que lançarei mão é totalmente vista por fora desse espectro dicotômico. Portanto, não tenho a pretensão de mudar a realidade, me metendo ser uma espécie de engenheiro social de gabinete. Apenas denunciar um erro.
Para fazer isso me apoiarei em um filósofo e cientista político chamado Jason Brennan, mais especificadamente em um conceito que aparece em sua obra Against Democracy (Contra a democracia, em uma tradução livre).
Brennan divide os eleitores em três categorias, quais sejam: Hobbits, Hoooligans e Vulcans. Naturalmente, assim como a maioria das categorizações, se trata de uma generalização. Mesmo de tal modo, podemos identificar facilmente as matizes da escala dessas três categorias a nossa volta – inclusive em nós mesmos, caso tenhamos a honestidade necessária e suficiente para fazê-lo.
Os Hobbits
Os Hobbits correspondem a maior parcela dos eleitores. São pessoas comuns em suas vidas ordinárias, onde suas maiores preocupações passam longe da batalha política. Por esse motivo, entendem que sua magnitude no debate é irrelevante e, assim, não se dispõem do comprometimento de seu tempo para estar a par da realidade política de seu país.
Hobbits, portanto, são os ignorantes no sentido estrito da palavra, não pejorativo, pois ignora os fatos. Há mais coisa a se fazer do que perder tempo e sacrificar relacionamentos pela causa política. Muitos boletos para pagar, filhos para criar, carreiras para seguir e a novela para não ficar de fora do círculo de conversas triviais.
Dessa forma, esse tipo de eleitor define seu voto de acordo com…
Os Hooligans
Os Hooligans, por sua vez, tendem a possuir mais informação sobre a realidade política do que os Hobbits, no entanto, segundo Brennan, esse tipo de eleitor possui um viés ou tendência cognitiva ao filtrar as informações.
Se o atentado é contra seu candidato, esse tipo de eleitor tende a afirmar que foi um golpe; se é contra o candidato adversário, a tendência é que o discurso caminhe para legitimação da democracia. A característica central desse tipo de eleitor, segundo o filósofo, é a distorção perceptiva e julgamento pouco apurado, frequentemente baseado em interpretação ilógica quando da tentativa de uma melhor argumentação.
Importante perceber que esse tipo de comportamento é totalmente independente da ideologia escolhida por esse eleitor, o qual se vale de suas emoções e age tal qual um fan boy na disputa de qual console é melhor, Xbox ou Playstation; ou querelas como Marvel vs. DC Comics ou Messi vs. Cristiano Ronaldo (Pelé vs. Maradona para os mais saudosistas). Isso, o Hooligan é o militante apaixonado!
Diferente dos…
Os Vulcans
Vulcans, ao contrário dos Hooligans, procuram retirar sua paixão do espectro político ao realizar sua análise. É o tipo de eleitor que analisa o fato pelo fato e, não pela sua convicção pré-estabelecida. Dos três, portanto, é o mais bem informado, mas o de menor expressão e influência, pois são poucas as pessoas que se propõem a despender de seu tempo para tal.
Por ser desapaixonado, frequentemente esse tipo de eleitor, mesmo com suas preferências eleitorais, analisam as pautas com independência partidária e tende a olhar para as movimentações e negociações políticas com ceticismo.
Vulcans combinam um vasto conhecimento com uma análise sofisticada, além de manter a mente aberta para possibilidades de fatos e argumentos supervenientes a seus julgamentos. Por esse motivo, seu objetivo é a acuracidade do seu juízo baseado cem por cento na racionalidade em detrimento da defesa de uma posição prévia.
O problema
Diante dessa base inferida da obra de Brennan, coloco a questão-chave para esse artigo: quem deve se comprometer com os discursos ideológicos, o eleitor ou o político?
O ambiente normativo é um ambiente de dar e receber razões. Naturalmente ao asserir algo, nos comprometemos com a validade das proposições enunciadas, nos expondo à validação, correção, etc.
Então, caso você já tenha entendido onde eu pretendo chegar e tente argumentar que são os dois agentes que têm o dever de compromisso político, eu faço uma pequena intervenção em seu ponto de vista questionando se o comprometimento do eleitor não deveria se restringir ao voto e não com a caixinha ideológica que se torna o discurso partidário.
A questão, portanto, não é se o eleitor deve se comprometer, mas, sim, com o quê e como o eleitor deve se comprometer.
Para exemplificar
Não é de espantar (quase) ninguém que existam pessoas que sejam a favor da liberação de armas e também da legalização do aborto, por exemplo. Também há aqueles contra o armamento da população e contra a legalização do aborto. Podemos notar, ainda, que ambos exemplares de eleitores podem defender suas respectivas causas pelos mesmos princípios.
Ao analisar a multiplicidade de variáveis e pautas morais, econômicas e políticas mundiais, nacionais e regionais possíveis no mundo, muito provavelmente, caso a análise seja minuciosa o bastante, descobriremos que o número de pautas únicas se igualam ao número de habitantes terrestres. Porém, para efeitos práticos é contraproducente não se organizar em grupos.
A polarização política é exatamente a organização em dois grandes grupos. Por um lado, uma polarização política forte, pode até ter seu ponto positivo como argumentam alguns autores, incentivando o debate político. No entanto, meu ponto entra exatamente aqui: por qual motivo deveríamos nos posicionar em relação aos políticos em prejuízo as nossas próprias pautas?
Os políticos são necessariamente os que se devem se comprometer com o que é dito (principalmente em campanha) por eles próprios. O eleitor não tem necessidade nenhuma em se comprometer com o que o político diz. Ao final das contas, a polarização empobrece o discurso político e serve, principalmente, para que os agentes da política (políticos, mídia, empresas, etc.) manobrem as massas de acordo com seus interesses.
Caso não tivéssemos o impulso apaixonado de defender um “mito” ou uma “ideia”, não estaríamos comprometidos em denunciar os agravos cometidos pelos políticos, mesmo votando neles. Permaneceríamos livres para escolher votar em quem quiséssemos, baseado em um discurso sobre as pautas e não nas cores das bandeiras.
O erro, portanto, está em escolher e analisar, não o contrário. Que por sinal, é o oposto ao lema desse site. E respondendo aos pedagogos, entender essas questões de erros comportamentais é interessante para o amadurecimento da sociedade, afinal militar com um viés de cognição, além de ser uma grande desonestidade intelectual, sempre será um erro lógico.